Partitura
(elaborado em 2009 quando fui aluna do Grupo de Teatro da
Escola Superior de Educação de Lisboa - o "Segundo a Circular
Tearte")
Júlia entrou na loja, respirou, parou, olhou em redor. Sabia
que estava no local certo. No único local onde só podia estar naquele exacto
momento.
A terra tremeu. Ouviram-se uivos, trovoadas, foguetes. Júlia
absorveu com um só olhar as cores e sabores presentes na sala. Sabia que algo
estava prestes a mudar.
Alegre como sempre mas com uma felicidade interna que só
raramente acontecia – caminhou em direcção ao centro da sala, entregando a alma
à energia impregnada pela imensidão de sacos de todas as cores que habitavam o
castelo. Sacos azuis com bolas amarelas, sacos feitos de chocolate, de pedra,
até de gelatina. Ela pensou que só podia estar a sonhar. O cenário era
profundamente imagético.
Passo a passo, Júlia acelerou e o ritmo cardíaco ia
aumentando à medida que entrava mais naquele antro de sacos. Ela não fazia
ideia do que estava ainda por vir.
Sacos de nylon, de ferro, a Torre Eiffel feita em sacos, o
Taj Mahal, tudo era possível e ela estava a ter essa consciência naquele exacto
momento. A temperatura aumentou, as cores tornaram-se mais brilhantes, as vozes
de repente pareciam insuportáveis – estridentes. Júlia levou os dedos da mão
direita à boca e encostou as unhas aos dentes começando a mordiscar num acto
nervoso. Nervoso era também o seu estado de espírito naquele momento. Algo
mudara ou pelo menos Júlia assim o pensara.
Outros humanos. Júlia não estava sozinha. Semelhantes
apareciam como cogumelos como sempre ali estivesses mas só agora ela os
alcançara com a sua visão.
Alívio. Júlia sente um alívio a percorrer-lhe o corpo
esguio. As pernas ficam leves, os pés flutuam, a cabeça voa.
O livro. O livro. Eis que surge o motivo principal de Júlia
ter sido conduzida até aquele sítio místico. Este livro não era um livro
qualquer. Era o centro desta história, deste enredo e no final da noite Júlia
sabe-lo-ia. Por enquanto representava o desconhecido. Mas o desconhecido
envolto numa áurea de mistério deliciosa, exercendo um fascínio e uma atracção
irresistível e inexplicável.
Sai fumo de uma das paredes como que anunciando esta
descoberta de Júlia, as luzes baixam e o ambiente fica cada vez mais intimista,
sedutor.
Júlia sente o seu coração a saltitar e uma agitação
stressante dentro dela como se estivesse prestes a ter um encontro imediato.
As paredes internas do castelo passaram de um negrume
inicial para uma paleta de cores e movimentos inebriantes. Todos os figurantes
daquele cenário começam a falar entre si como se de repente alguém dissesse ”acção”
e começassem todos a falar ao mesmo tempo, cada um com o seu guião.
Arrebatador. Como um grande amor ou uma grande paixão. Risos luxuriantes,
olhares sedutores, gestos sexuais. Um erotismo psicadélico.
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